Imagem de um homem carregando uma caixa de papelão com seus objetos após ser demitido por justa causa

A acertada elasticidade dos conceitos utilizados na legislação sobre justa causa e falta grave e o prestígio à preservação da empresa em detrimento de atitudes isoladas que possam prejudicar a continuidade do negócio.

O exercício de atividades econômicas, sejam comerciais ou de prestação de serviços sempre foi praticado por pessoas físicas, acompanhadas de outras pessoas ou não. Contudo, com o tempo, a junção de mais de uma pessoa natural para o exercício de uma atividade econômica adquiriu complexidade e envergadura exigindo a criação de novas pessoas fictícias que fossem capazes de exercer aquelas atividades econômicas por si próprias, criaram-se assim, as pessoas jurídicas e, dentre elas, as sociedades[1].

As relações dessas pessoas jurídicas, empresariais e societárias, são regidas no direito brasileiro pelo Livro II do Código Civil – Direito de Empresa que dispõe, em especial no Título II sobre as regras de formação, administração, resolução e dissolução das sociedades, sejam elas empresárias ou simples (não empresárias), sendo de importante destaque para o presente trabalho os artigos 1.030 e 1.085, além dos demais trazidos na Seção V, acerca da Resolução da Sociedade em Relação a um Sócio.

Dispõe a citada Seção V, em especial o artigo 1.030 acerca da dissolução parcial da sociedade, ou seja, quando um dos sócios, por iniciativa própria ou dos demais, é retirado da sociedade, em casos de morte, exercício do direito de retirada ou exclusão pelo cometimento de falta grave no cumprimento de suas obrigações. Além disso, traz ainda o artigo 1.085 a possibilidade de exclusão de sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade.

Contudo, da simples análise dos artigos citados é possível verificar-se que os conceitos utilizados na legislação são indeterminados e elásticos, não havendo na lei algo que fixe o que deve ser entendido como a falta grave e os atos de inegável gravidade dispostos no texto legal, restando à doutrina, à deliberação social e à jurisprudência delimitar as atitudes capazes de dar aos demais sócios o direito de excluir aquele que esteja agindo de maneira que coloque em risco os interesses da sociedade.

Dispondo tanto o artigo 1.030 quanto o artigo 1.085 do Código Civil sobre a possibilidade de exclusão de sócio, importante trazer aqui a principal diferença havida entre as duas hipóteses. Da leitura do artigo 1.030 verifica-se que este dispõe que “pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios”, enquanto o artigo 1.085 dispõe que a maioria dos sócios, mediante alteração do contrato social, poderá excluir o sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa.

Nesse ponto, é importante o destaque realizado pelos professores Ivo Bari e Laura Freitas de que “nem o art. 1.030 e nem o art. 1.085 colocam como requisito para a exclusão do sócio a verificação de dano à sociedade”[2], ou seja, basta o sócio colocar em risco a continuidade da empresa para que os demais possam buscar a sua exclusão.

Esse requisito mais fluido é necessário justamente para se evitar que apenas após caracterizado o prejuízo possa ser o sócio excluído, busca-se assim justamente prevenir a ocorrência do dano. No entanto, sendo suficiente a mera ameaça de direito, é importante que a doutrina fixe parâmetros, que os sócios procedam com razoabilidade e que a jurisprudência analise os casos concretos de modo a não haver injustiças.

Aqui é importante trazer importante lição de Luis Felipe Spinelli que, em sua tese de doutorado dispôs que, acaso se permitisse a exclusão sem motivação, se estaria abrindo caminho para o abuso do poder de controle, além de afrontar o direito à conservação da ‘membridade’ (direito de propriedade da participação social) e retiraria a indispensável proteção dos sócios minoritários, trazendo insegurança ao sistema[3].

Em se tratando de conceitos indeterminados, como já devidamente mencionado, caberá a análise, “à luz da realidade específica da sociedade”[4], acerca dos atos entendidos como suficientes a ensejar a exclusão do sócio, tais como atos contrários aos seus deveres e às disposições do contrato social, deixar-se guiar pelos interesses próprios em conflito com os da sociedade, além de utilizar-se do nome e dos bens da sociedade em benefício próprio.

Paulo Bardella bem sintetizou ao trazer o acerto do legislador em deixar os conceitos abertos, na medida em que a intenção é justamente prestigiar o princípio da preservação da empresa em detrimento de atitudes isoladas de um sócio que possam prejudicar a continuidade do negócio, senão, vejamos o excerto abaixo:

Mais importante do que descrever possíveis “faltas graves” é entender a intenção do legislador, que busca a preservação da empresa em detrimento do sócio, o qual deve ser excluído como medida extrema para garantir a continuidade da sociedade, preservando-se a sua função social.[5]

Sendo os conceitos de falta grave e atos de inegável gravidade abertos e indeterminados, trouxe o legislador a necessidade de comprovação dessa gravidade, seja para excluir-se judicialmente o sócio com fundamento no artigo 1.030, ou demonstrar-se a regularidade da exclusão extrajudicial realizada com suporte no artigo 1.085 do Código Civil.

Quanto à primeira hipótese de exclusão judicial, é importante mencionar as disposições trazidas pelo Código de Processo Civil no Título III sobre os Procedimentos Especiais, notadamente o Capítulo V que trata da Ação de Dissolução Parcial da Sociedade, e o fato de que já bem delimitou o Superior Tribunal de Justiça ao fixar que a exclusão de membro da sociedade é medida extrema e precisa ser bem demonstrada em juízo (AgInt no AREsp 989.990/RJ).

Já no que diz respeito à exclusão extrajudicial, para que seja tida como regular, é importante que sejam seguidos todos os requisitos trazidos no artigo 1.085, quais sejam, maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, atos de inegável gravidade e que coloquem em risco a continuidade da empresa, além da prévia disposição no contrato social.

Diante disso, tem-se que a escolha do legislador em deixar os conceitos de justa causa, falta grave e atos de inegável gravidade como indeterminados foi, de fato, a mais acertada na medida em que possibilita a realização de análises que levam em consideração as particularidades de cada sociedade sem, contudo, deixar de exigir a fundamental comprovação da sua ocorrência.

[1] Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

[…]

II – as sociedades;

[2] FERREIRA, Ivo Bari e CEITLIN, Laura Freitas. A Justa Causa na Exclusão de Sócios à Luz do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários Vol. 13. São Paulo: Almedina, 2021. F. 51

[3] SPINELLI, Luis Felipe. A Exclusão de Sócio por Falta Grave na Sociedade Limitada: Fundamentos, Pressupostos e Consequências. 2014. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-21082017-141154/publico/Luis_Felipe_Spinelli_A_exclusao_de_socio_por_falta_grave_na_sociedade_limitada_INTEGRAL.pdf. Acesso em 15/12/2021>. F. 64

[4] ADAMEK. Anotações sobre a exclusão de sócios por falta grave no regime do Código Civil, cit. p. 192 apud SPINELLI, Luis Felipe. op cit.

[5] CAPARELLI , Paulo Bardella. A exclusão do sócio por falta grave na sociedade limitada através de simples alteração do contrato social. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/depeso/149439/a-exclusao-do-socio-por-falta-grave-na-sociedade-limitada-atraves-de-simples-alteracao-do-contrato-social>. Acesso em 15/12/2021.

 

Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/359707/exclusao-de-socio-e-os-conceitos-de-justa-causa-e-falta-grave

Autor: Fernanda Regina Negro de Oliveira • email: fernanda.oliveira@ernestoborges.com.br

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