O lançamento do PIX, ferramenta de pagamento eletrônico instantâneo, pelo Banco Central do Brasil, no mês de setembro de 2020, foi sem dúvida a maior transformação nas ferramentas de pagamento desde a popularização dos cartões de crédito em meados dos anos 90.

Com a ferramenta, muitos brasileiros, até então usuários de meios convencionais de pagamento, como o dinheiro, passaram a poder realizar transações de forma mais rápida, eficiente e segura, sem o inconveniente de ter de portar numerários em suas bolsas ou carteiras. O comércio e o setor de serviços foram os grandes beneficiados com a novidade, pois passaram a contar com um novo instrumento para fomentar suas operações e aumentar as vendas.

Mesmo o pagamento de algumas Taxas e Tributos passou a ser possível de forma instantânea, aumentando o volume de transações financeiras no país, ajudando a manter, dentro do possível, a economia funcionando normalmente mesmo durante o período mais agudo da pandemia de Covid-19.

Dois anos após a implementação do sistema, o PIX é hoje uma das principais ferramentas de pagamento, movimentando, apenas no último trimestre do ano de 2021, R$ 3,89 bilhões de reais, superando as transações realizadas pelos cartões de crédito (3,73 bilhões) e débito (3,85 bilhões), de acordo com dados do Banco Central do Brasil – BACEN.

No entanto, com o novo meio de pagamento surgiram questionamentos acerca da gratuidade dos serviços – já que as modalidades correntes de transferência de valores (TED e DOC) cobravam taxas para realização do serviço – assim como dúvidas sobre eventual tributação das transações eletrônicas realizadas através da nova modalidade.

Recentemente, houve rumores acerca de uma possível cobrança de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre as transações eletrônicas realizadas pelo aplicativo. Isto porque no dia 11/04/2022 foi publicado, no Diário Oficial da União, o Convênio 50/2022 do Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária que alterou o previsto no Convênio ICMS nº 134/16 acerca do fornecimento de informações prestadas por instituições financeiras e de pagamento, integrantes ou não do Sistema de pagamentos Brasileiro.

O inciso II deste Convênio altera os parágrafos quarto e quinto do convênio firmado em 2016 passando a dispor que: “§ 4º Os bancos de qualquer espécie, referentes às operações não relacionadas aos serviços de adquirência, deverão enviar as informações de que trata este convênio a partir do movimento de janeiro de 2022, conforme cronograma disposto nos incisos a seguir (…) § 5º As transações realizadas via PIX deverão ser enviadas de forma retroativa, desde o início dos serviços deste meio de pagamento, ressalvado o disposto no § 4º.”;

Assim, à primeira vista poderia parecer que a instrução contida no Convênio previa a informação de dados referentes às transações realizadas pelo PIX com a finalidade de fiscalizar e subsidiar a cobrança de tributo sobre as operações realizadas pelo aplicativo. Contudo, tal especulação é carente de qualquer fundamento jurídico.

Neste sentido, é importante esclarecer alguns elementos quanto a natureza jurídica e a competência tributária para instituição do ICMS, fixadas no art. 155 da Constituição Federal que estabelece que “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).

O dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir, que fixou critérios para caracterização da qualidade de contribuinte, fato gerador do imposto, e os casos de não incidência e isenção do tributo, subsidiando a elaboração da legislação pelos estados.

Desta forma, o convênio firmado durante a reunião do CONFAZ determina às Instituições financeiras e de pagamento – vinculados ou não Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP) – que informem, de forma retroativa, todas as transações financeiras efetuadas pelo aplicativo a partir de seu lançamento, objetivando assegurar a fiscalização das operações, sobretudo comerciais, realizadas através do serviço de pagamento digital.

Isto significa que as informações prestadas às autoridades fazendárias serão utilizadas com a finalidade de, através do cruzamento de dados com as informações declaradas por meio de Escrituração Fiscal Digital, apurar eventual não recolhimento do tributo pelos estabelecimentos comerciais que detenham a obrigação do lançamento tributário.

Ao cruzar as informações quanto ao recebimento de numerários com dados quanto à emissão de nota fiscal é possível verificar a eventual sonegação do ICMS. Importante anotar que, no mesmo sentido, hoje as instituições financeiras são obrigadas a fornecer os dados referentes às transações bancárias realizadas mediante a captação de cartão de crédito, em razão da possibilidade da ocorrência de fraudes fiscais, através da não emissão de cupom fiscal ou nota fiscal eletrônica ao consumidor.

A medida tem, portanto, a finalidade de subsidiar o combate à sonegação.

Segundo dados de estudo realizado no ano de 2020 pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação)[1] estima-se que a sonegação de tributos no país chegou a mais de R$ 417 bilhões de reais no ano de 2019, dos quais apenas 65,49% foram convertidos em autos de infração – com valor total de R$ 273,1 bilhões – sendo destes 94,7 bilhões referentes apenas ao ICMS – valor superior a 1% do PIB nacional no mesmo período – uma perda de arrecadação astronômica para os estados.

Neste sentido, é importante destacar que, fosse o caso de aplicar-se eventual tributação incidente sobre as operações via PIX, esta deverá ser instituída mediante aprovação de Lei Ordinária – art. 150 da Constituição Federal – que deve aprovada pelo Congresso Nacional (princípio da legalidade tributária), a qual terá como fato gerador a mera transferência eletrônica de valores, nos moldes da antiga CPMF.

Desta forma, portanto, o convênio editado pelo CONFAZ se trata unicamente de medida fiscalizatória das operações envolvendo a circulação de mercadorias e serviços, não se confundindo com possível fato gerador sobre transações realizadas através do sistema PIX e não sendo sequer viável a instituição de quaisquer outras formas de Tributação sobre estas operações, permanecendo o PIX, até o momento, como alternativa de pagamento 100% gratuita, moderna e eficiente.

[1] https://ibpt.com.br/estudo-autos-de-infracao-e-sonegacao-fiscal/

 

Disponível em: https://br.lexlatin.com/opiniao/o-pix-e-o-icms-analise-do-convenio-502022-do-confaz

Autor: Pedro Batistoti Boller • email: pedro.boller@ernestoborges.com.br

O PIX E O ICMS – ANÁLISE DO CONVÊNIO 50/2022 DO CONFAZ

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