O Imposto Territorial Rural (ITR) é um tributo diretamente relacionado ao surgimento da República brasileira e sua face agrária. No país o ITR foi introduzido pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, no ano de 1891, através de seu artigo 9º, que atribuía a competência aos estados federativos: “Art 9º – É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 2º) sobre Imóveis rurais e urbanos”[1].

Pela primeira vez na história do Brasil os tributos ganharam status constitucional, permitindo além de uma maior institucionalização, regramento extenso e transparência. Ao longo dos anos sua cobrança e instituição permaneceu competência dos estados:

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934:Art 8º – Também compete privativamente aos Estados: I – decretar impostos sobre: a) propriedade territorial, exceto a urbana”[2].

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937: “Art. 23 – É da competência exclusiva dos Estados, salvo a limitação constante do art. 35, letra d: I – a decretação de impostos sobre: a) a propriedade territorial, exceto a urbana”[3];

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: “Art. 19. Compete aos Estados decretar impostos sôbre: I – propriedade territorial, exceto a urbana”[4];

A Emenda Constitucional nº 5 de 1961 por sua vez, transfere a competência aos municípios, sendo superada somente 3 anos depois, pela EC nº 10 de 1964, que designa a competência à União.

O imposto até então meramente fiscal, ganha novos contornos com o Estatuto da Terra de 1964, que visava regular os direitos e obrigações de bens rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola. Para esse diploma, a propriedade desempenharia integralmente sua função social quando simultaneamente[5]:

  1. a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
  2. b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
  3. c) assegura a conservação dos recursos naturais;
  4. d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

A proposta da Lei nº 4.504/1964 era justamente de utilizar o Imposto Territorial Rural como importante instrumento para combater a improdutividade e redistribuir terras desapropriadas. Para tanto, o Estatuto criou diretrizes diversas para a reforma agrária como planos periódicos e fundos de custeio. Após a reforma de 1979, a lei ainda além de estabelecer alíquotas progressivas conforme o tamanho a área tributada, dispôs acerca da possibilidade de redução de até 90% a título de estímulo fiscal, segundo o grau de utilização econômica do imóvel rural, da seguinte forma[6]:

  1. a) redução de até 45%, pelo grau de utilização da terra, medido pela relação entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel rural;
  2. b) redução de até 45% pelo grau de eficiência na exploração, medido pela relação entre o rendimento obtido por hectare para cada produto explorado e os correspondentes índices regionais fixados pelo Poder Executivo e multiplicado pelo grau de utilização da terra, referido na alínea “a” deste parágrafo.

A vasta extensão do país, entretanto, fez com que o imposto sofresse algumas mudanças na Constituição Federal de 1988. A Emenda Constitucional nº 42 de 2003 modificou os art. 153 e 158 quanto à fiscalização e cobrança do ITR, cabendo a totalidade arrecadada do imposto aos Municípios que assumirem tais responsabilidades. A repartição ocorre por intermédio da Receita Federal do Brasil, através de convênio, cuja adesão depende da comprovação por parte do Município da posse de estrutura tecnológica e quadro efetivo de servidores com atribuição de lançamento de créditos tributários aprovados em concurso público[7].

A nova Carta Magna igualmente reforçou o caráter extrafiscal do tributo, estabelecendo duas situações distintas a:

(1) Promoção do uso adequado e eficiente do espaço territorial rural, dispondo no § 4o do art. 153 que o imposto será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular propriedades improdutivas; e

(2) Defesa dos pequenos proprietários, pois as pequenas glebas rurais, definidas em lei, são imunes ao pagamento do ITR, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel.

Dessa forma, buscou-se inibir a existência de latifúndios improdutivos e, ao mesmo tempo, dar tratamento diferenciado e mais benéfico ao pequeno produtor rural. Trata-se de normas que buscam concretizar a função social da propriedade e a taxação conforme a capacidade contributiva[8].

Por fim, no cenário atual do Imposto Territorial Rural, o Decreto nº 4.382/2002 disciplinou a fundo o tributo, definindo aspectos como responsáveis tributários, incidência, isenção e imunidade. O ponto mais complexo e interessante do diploma é, por sua vez, a definição de área não tributável, que permite a exclusão no cálculo do tamanho da propriedade das áreas[9]:

I – de preservação permanente – Código Florestal, arts. 2º e 3º.

II – de reserva legal

III – de reserva particular do patrimônio natural

IV – de servidão florestal

V – de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas nos incisos I e II do caput deste artigo.

VI – comprovadamente imprestáveis para a atividade rural, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual.

Ao analisar a trajetória do ITR é notório como o imposto muito além de tributar áreas rurais, possui um objetivo muito maior: incentivar a produção rural e diminuir as desigualdades do país. Longe de ser um modelo perfeito, a cada novação legislativa o tributo se aprimora na persecução de seu fim, visando fomentar a atividade econômica que é a responsável pela maior fatia do PIB do país.

Disponível em: https://revistacultivar.com.br/artigos/imposto-territorial-rural-a-evolucao-do-tributo-republicano#:~:text=O%20Imposto%20Territorial%20Rural%20(ITR,aos%20estados%20federativos%3A%20%E2%80%9Cart.

 

[1] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm

[2] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm

[3] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm

[4] Redação original Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1940-1949/constituicao-1946-18-julho-1946-365199-publicacaooriginal-1-pl.html

[5] Art. 2º, parágrafo 2º. Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm

[6] Art. 50, parágrafo 5º, ibidem.

[7] Art. 7º, Instrução Normativa nº 1640/16 da Receita Federal do Brasil. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=73816.

[8] LEÃO, Celina Gontijo e FRIAS, Lincoln. Revista Debate Econômico. As deficiências do Imposto Territorial Rural (ITR), v.4, n.2, jul-dez. 2016. P. 103.

[9] Art. 10, Decreto nº 4.382/2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4382.htm

Autor: Flávia Sant'Anna Benites • email: flavia@ernestoborges.com.br • Tel.: +55 67 99984 1406

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