Lições e exemplos da nova lei suíça e a necessidade de adaptação da Lei de Licitações para priorizar sistemas de inteligência artificial com código aberto na Administração Pública brasileira
Em setembro de 2023, a Suíça deu um passo significativo na promoção do uso de software de código aberto (open source) no setor público com a aprovação da Lei Federal sobre o Uso de Meios Eletrônicos para o Cumprimento de Tarefas Oficiais (Bundesgesetz über den Einsatz elektronischer Mittel zur Erfüllung von Behördenaufgaben, conhecida como EMBAG). Esta legislação inovadora estabelece um novo padrão para a transparência, explicabilidade e eficiência governamental na era digital, incentivando fortemente a adoção de soluções de código aberto sempre que possível.
A EMBAG não apenas promove a divulgação do código-fonte de softwares desenvolvidos ou contratados pela administração pública suíça, mas também estabelece diretrizes para a cooperação entre diferentes níveis de governo e com entidades privadas no uso de tecnologias. A lei aborda questões cruciais como interoperabilidade, compartilhamento de dados e a criação de padrões de abertura de sistemas, estabelecendo uma estrutura normativa que busca equilibrar a inovação tecnológica com a proteção de dados e a segurança da informação.
Um aspecto notável da EMBAG é a previsão da criação de um repositório central para códigos-fonte, bancos de dados, e outros recursos, facilitando o compartilhamento de conhecimento entre diferentes órgãos governamentais e até mesmo com empresas e entidades do setor privado. Esta abordagem não apenas promove a eficiência e a redução de custos, mas também fomenta um ecossistema de inovação mais amplo e inclusivo, contribuindo, assim para o contínuo avanço e para a segurança da estrutura tecnológica do Estado.
No contexto desta significativa mudança na Suíça, é oportuno questionar como – e se – o Brasil pode se inspirar e até mesmo ir além das iniciativas estrangeiras. Como propus na tese de doutorado que defendi na PUC/RS e na Universidade de Granada (Espanha), é importante discutirmos a modificação da legislação brasileira de licitações e contratações públicas, de modo a priorizar a contratação de sistemas de inteligência artificial de código aberto para a administração pública.
Tal proposta vai além da abordagem suíça, pois sugere uma postura ainda mais proativa em relação à transparência e auditabilidade dos sistemas de IA utilizados na administração pública. A adaptação da lei de licitações exigiria que todos os sistemas de IA contratados pela administração pública fossem de código aberto, salvo em casos de necessidade urgente e inexistência de opções open source no mercado.
Além disso, outra proposta que é importante discutir na esteira do que é previsto na legislação suíça, é o desenvolvimento de um repositório nacional de modelos de inteligência artificial de código aberto, permitindo a abertura e acesso a todos cidadãos, instituições e iniciativa privada, de modo a oportunizar e facilitar que todos os interessados acompanhem, revisem e contribuam para os modelos utilizados pelo Poder Público.
A adoção da estratégia de código aberto apresenta benefícios significativos que podem ser defendidos sob diversas perspectivas. Em primeiro lugar, promove acessibilidade e transparência, ao assegurar que o código-fonte esteja disponível para avaliação crítica, facilitando a compreensão dos fundamentos, elementos, design e funcionalidades dos modelos computacionais. Isso possibilita uma fiscalização pública e privada mais efetiva dos sistemas utilizados.
Por outro lado, do ponto de vista econômico, a implementação de uma política baseada em código aberto pode resultar em uma expressiva redução de custos. O compartilhamento de modelos computacionais entre os diferentes órgãos e esferas da administração pública evita a duplicação de esforços e investimentos, permitindo uma alocação mais eficiente dos recursos públicos. Além disso, fomenta maior colaboração no desenvolvimento, o que se traduz em mais segurança e menor custo para os projetos.
É fato que a implementação de tais propostas exigirá um esforço coordenado entre legisladores, administradores, formuladores de políticas públicas e a sociedade civil. Será necessário um diálogo contínuo para abordar os desafios e ajustar as iniciativas conforme a estrutura do projeto, a dimensão dos objetivos e os recursos disponíveis. Todavia, os benefícios potenciais em termos de transparência, eficiência e confiança pública tornam esse esforço digno de desenvolvimento.
Ao adotar uma abordagem de código aberto para a inteligência artificial na administração pública, inspirada na iniciativa suíça, mas com um alcance mais amplo, o Brasil tem a oportunidade de se destacar como um expoente regional e global em governança algorítmica, aplicando tecnologias de inteligência artificial de maneira transparente e responsável, e estabelecendo um novo padrão de conformidade digital.
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*Edson Pontes Pinto, sócio do Ernesto Borges Advogados. Professor Universitário (Católica de Rondônia). Doutor em Ciências Jurídicas (Universidad de Granada). Doutor em Direito (PUC/RS). Mestre em Direito (PUC/SP). Diretor-Geral da ESA/RO (OAB/RO).
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