O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai definir se a vinculação de prêmios de produtividade ao controle de idas dos empregados ao banheiro configura dano moral presumido — ou seja, aquele que o funcionário não precisa provar. A questão será analisada por meio de recurso repetitivo, o que vincula as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho.

A controvérsia gira em torno de uma parcela de remuneração chamada de Programa de Incentivo Variável (PIV), sistema de premiação adotado por empresas com base em metas de produtividade ou desempenho. Em alguns casos, pausas para atividades básicas, como ir ao banheiro, podem influenciar os resultados e reduzir o valor pago ao trabalhador (Tema 034).

A discussão envolve o trabalho em teleatendimento. Esse tipo de atividade, conforme o anexo II da Nota Regulamentadora 17, conta com um regime diferenciado, com jornada de seis horas e pausas obrigatórias de 40 minutos, divididas em uma de 20 minutos para alimentação e duas outras de 10 minutos. Nesse contexto, as pausas para idas ao banheiro — fora dos períodos de intervalos — afetam o tempo efetivamente despendido na jornada de trabalho, que costuma ser um dos critérios para o cálculo do PIV.

No caso que será analisado pelo TST, um supervisor da trabalhadora, convocado como testemunha, afirmou, em depoimento, que não é proibido tirar as pausas, “a gente só orienta a ter cuidado porque isso afeta tanto o nosso resultado quanto o dele [do trabalhador]”. Ainda acrescentou que nunca chegou a “buscar a autora no banheiro” nem a ameaçá-la.

A fala foi usada como fundamento para negar o pedido da trabalhadora de indenização por danos morais. Segundo o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), “as pausas para idas ao banheiro fora dos períodos de intervalo estipulados, bem como as faltas ao serviço em razão da apresentação de atestados médicos influenciam de forma indireta
e acidental no indicador de remuneração variável ‘tempo disponível’, o que, contudo, não gera dano moral, pois não impede a percepção da parcela e nem repercute como indicador negativo para o atingimento das metas estabelecidas”.

A maioria das turmas do TST, no entanto, rechaça essa interpretação. Em dezembro de 2023, um acórdão da 3ª Turma destacou que “a restrição pelo empregador ao uso de banheiro pelos seus empregados fere o princípio da dignidade da pessoa humana, tutelado no artigo 1º, inciso III, da Constituição traduzindo-se em verdadeiro abuso no exercício do poder diretivo da empresa” (RRAg-1178-17.2018.5.09.002).

A 1ª Turma decidiu da mesma forma em outro caso, apontando que a vinculação das pausas para banheiro ao cálculo do PIV evidencia “a existência de um mecanismo que visa restringir o uso daquelas dependências, induzindo o trabalhador a negligenciar suas necessidades fisiológicas sob pena de ver reduzida sua remuneração” (Ag-RRAg-1366-42.2019.5.09.0872).

A uniformização da jurisprudência pelo TST vai representar um avanço para o Judiciário, já que, apesar do entendimento dominante das turmas, alguns TRTs não o aplicam. É o que aponta ao Valor a defesa da trabalhadora, feita pelos advogados do Martins, Buch & Sato Advogados Associados.

O julgamento dos repetitivos, defende Leandro Augusto Buch, vai auxiliar na “reafirmação de suas decisões como forma a diminuir a litigiosidade, seja porque fixa entendimento de observância obrigatória pelos demais Tribunais Regionais do Trabalho, seja porque firma orientação relevante para pautar as condutas de empregados e empregadores e adequá-las ao que prevê a Constituição Federal”.

Segundo especialistas, a uniformização da jurisprudência pelo TST terá impacto direto nas empresas do setor. Segundo Renata Tognini, sócia no Ernesto Borges Advogados, “pode levar as empresas a reformular suas políticas de incentivo, ou até mesmo a extinguir as políticas em razão da insegurança jurídica sobre o que está ou não inserido no poder diretivo do empregador”.

Para ela, generalizar a presunção do dano moral vai levar a um aumento no volume de processos sobre o tema, “abarrotando ainda mais o Judiciário”. “A submissão do tema à sistemática dos recursos repetitivos visa dar solução uniforme para a questão, mas incentiva aqueles trabalhadores que nem pensavam em ajuizar uma reclamação trabalhista.”

As empresas de teleatendimento, pontua, têm de cumprir vários requisitos a respeito do tempo para atendimento dos clientes, e estão sujeitas à regulação estatal. “Seria importante analisar qual foi o impacto gerado desde que esse critério foi incluído no programa de remuneração variável. Se prejudicou de fato a saúde dos trabalhadores”, afirma.

Para outra corrente, no entanto, o controle do uso do banheiro, mesmo que indireto, afronta o princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º da Constituição. “Qualquer tentativa de limitar ou restringir o exercício desses direitos por parte do empregador, sob justificativa de preservar a dinâmica organizacional ou de auferir a produtividade do empregado, revela-se incompatível com os princípios constitucionais”, afirma Eliane Ribeiro Gago, head da área trabalhista do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra advogados.

O possível impacto de uma decisão do TST reconhecendo a presunção automática do dano moral, segundo Rebecca Loureiro, associada do mesmo escritório, seria a elevação do valor das indenizações trabalhistas. “Para as empresas, a decisão representará a necessidade de reforçar políticas internas e práticas de compliance, a fim de evitar condutas que possam resultar em condenações.”

Mayra Sampaio, sócia do Mayra Sampaio Advocacia e Consultoria Jurídica, prevê que a uniformização da jurisprudência, em vez de aumentar o número de processos, desafogaria as instâncias superiores, ao inibir a necessidade de recursos. “Apesar de aumentar os custos para as empresas, a medida tem potencial para impedir práticas abusivas e proporcionar maior segurança jurídica”, avalia.

Entrevista disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/12/25/tst-julgara-controle-de-idas-ao-banheiro.ghtml 

Autor: Renata Gonçalves Tognini Favalli • email: renata@ernestoborges.com.br • Tel.: + 55 67 3389 0123

Entrevista – Valor Econômico – Renata Tognini – TST julgará controle de idas ao banheiro

Responsável pela área

Trabalhista

Entrevista – Valor Econômico – Renata Tognini – TST julgará controle de idas ao banheiro

Advogados

Área de atuação

Relacionadas

Trabalhista

voltar Icone Mais Direita