A normativa natimorta da Receita Federal n. 2.219/2024, que vigorou por apenas duas semanas, estabelecia novas regras de fiscalização de operações financeiras dentre as quais se incluíam as transações realizadas via Pix.

 

De acordo com nova regra que vigorou por menos de um mês e foi sumariamente revogada pelo Governo após aclamação social, as instituições deveriam reportar mensalmente movimentações financeiras específicas com o intuito preponderante de cruzar informações fiscais.

 

Especificamente sobre o Pix, a normativa dispunha sobre a obrigatoriedade das instituições financeiras em geral de apresentar a e-Financeira (ferramenta criada pela Receita em 2015 que exige o envio de informações sobre movimentações financeiras realizadas por pessoas físicas e jurídicas) quando o movimento global ultrapassasse cinco mil reais para as pessoas físicas e quinze mil reais no caso das jurídicas.

 

Ocorre que após mexer no vespeiro e sair com severos danos o Governo voltou atrás, entretanto, a partir dai, novas perguntas surgiram: Existia a pretensão de taxar as transações via pix? Qual era o real objetivo do Governo? Como era antes da normativa e como fica agora?

 

O Pix, lançado pelo Banco Central em novembro de 2020, é um sistema de pagamentos instantâneos que permite transferências e pagamentos 24 horas por dia, todos os dias da semana, de forma rápida e, em geral, gratuita para pessoas físicas e desde o início entrou nas graças dos brasileiros.

 

Com ampla adesão, tornou-se um marco na inclusão financeira no país, acumulando mais de 150 milhões de usuários registrados até 2024, entre pessoas físicas e jurídicas. Substituiu com eficiência o TED, DOC e dinheiro em espécie em diversas transações, promovendo maior conveniência e reduzindo custos operacionais. Em 2023, superou R$ 14 trilhões em transações, evidenciando seu impacto no cotidiano dos brasileiros e sua consolidação como principal meio de pagamento no país.

 

Pelo que se sabe não existe nenhuma intenção política em taxar o pix. Já se sabia da sua força perante a sociedade, o que só se confirmou, ainda mais, com a comoção dos últimos dias. Para se ter uma ideia, desde o início de janeiro de 2025, o número de transações via Pix registrou uma queda de aproximadamente 15% em relação a dezembro de 2024, marcando a maior redução mensal desde a implementação do sistema em 2020, justamente em razão do medo da sociedade sobre essa vigilância excessiva. E, portanto, até onde se sabe, a notícia sobre tributação é falsa.

 

Por outro lado, o objetivo é claro e não há como ocultá-lo, intensificar o cerco sobre a sonegação a partir do cruzamento de dados sobre movimentações financeiras passíveis de tributação e não declaradas. Em outras palavras, não se buscava tributar o fato gerador “transferência bancária”, mas sim o fato gerador prévio, que ensejou respectiva transação.

 

Mas e agora, como fica? Com a revogação da Instrução Normativa RFB nº 2.219/2024, a fiscalização da Receita Federal sobre transações financeiras volta a seguir as normativas e mecanismos anteriores, que já previam um nível significativo de monitoramento. O principal instrumento permanece sendo a e-Financeira, regulada pela Instrução Normativa RFB nº 1.571/2015, que obriga instituições financeiras a reportar movimentações relevantes, como transações acima de dois mil reais para as pessoas físicas e seis mil reais para as jurídicas.

 

Ué, mas não ficou pior para o contribuinte? Imaginar que a Receita não possui cada vez mais ferramentas tecnológicas capazes de confrontar dados é uma ingenuidade. Entretanto, existiam diferenças sensíveis entre as Normativas.

 

A revogada trazia expressamente a intenção de monitorar o Pix, bem como, no caso das pessoas físicas, estipulou o valor somado de R$ 5.000,00, que poderia decorrer de inúmeras transações de baixo valor, enquanto a que voltou a vigorar, versa sobre as transações acima de R$ 2.000,00 e exige menos rigor informativo do que a revogada.

 

Em resumo, há pouco de novo no front, entretanto, importante aproveitar o momento para uma reflexão mais profunda acerca dos males da sonegação no Brasil, bem como da alta carga tributária, sua baixa progressividade e, sobretudo, da ausência de contraprestação do serviço público.

 

A sonegação fiscal no Brasil representa um desafio significativo para a economia e a justiça social. Estudos indicam que o país deixa de arrecadar mais de R$ 417 bilhões anualmente devido à sonegação de impostos, com um faturamento não declarado pelas empresas estimado em R$ 2,33 trilhões por ano.

 

Paralelamente a isso, a nossa carga tributária (total de tributos arrecadados por um governo em relação ao PIB de um país) é uma das mais altas da América Latina, representando cerca de 33% do PIB em 2023. Isso significa que, para cada R$ 100 gerados na economia, R$ 33 são destinados ao pagamento de tributos. Este valor é superior à média de países da região, mas similar ao de nações desenvolvidas, como Alemanha e França, que possuem uma carga tributária semelhante, porém com um retorno maior em serviços públicos de qualidade.

 

Fato é que a alta carga tributária, somada à regressividade do sistema, por meio do qual a maior parte da arrecadação vem de impostos indiretos sobre o consumo, faz com que os mais pobres sejam desproporcionalmente afetados, enquanto os mais ricos acabam contribuindo menos, proporcionalmente, para a arrecadação total.

 

Nesse sentindo, não há como se desvencilhar do fato de que essa micro fiscalização sistêmica tinha um endereço, tributar não o Pix, mas sim a economia informal, hoje defensivamente marginalizada.

 

E como se isso não bastasse, a esse cenário foi somado a imagem já arranhada do Governo que tem procurado equalizar o déficit pela arrecadação e não pelo controle de gastos e sua dificuldade clara de comunicação. Tudo isso aflorou na população a despeito da polarização um sentimento de injustiça que não pode ser negligenciado e, pelo menos, hoje não o foi.

Autor: Guilherme da Costa Ferreira Pignaneli • email: guilherme.pignaneli@ernestoborges.com.br

Mas afinal, sobre o que versava a Instrução Normativa do PIX, revogada pelo Governo?

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