É atribuição do Estado prestar a tutela jurisdicional, devendo, portanto, não apenas garantir a observância aos princípios constitucionais, tais como, o da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório e da ampla defesa, da segurança jurídica, do devido processo legal, da segurança jurídica e da duração razoável do processo, mas, também, assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e do direito material levado ao Poder Judiciário, de modo que seja entregue à parte vencedora a tutela pleiteada em tempo e em condições adequadas para a fruição do bem da vida pretendido.
Diante disso, fez-se necessária a adoção de medidas técnicas capazes de garantir a adequada e efetiva prestação da tutela jurisdicional, aliada à celeridade. Assim, concebeu-se a tutela provisória.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil em 2015, as então tutelas de urgência (cautelar e antecipada) e a tutela de evidência foram reunidas em um único gênero, qual seja, as tutelas provisórias.
Cassio Scarpinella Bueno define tutela provisória “[…] como o conjunto de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da ‘urgência’ ou da ‘evidência’, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável (por isso, provisória) apta a assegurar e/ou satisfazer, desde logo, a pretensão do autor, até mesmo de maneira liminar, isto é, sem prévia oitiva do réu […]”[1].
De acordo com o artigo 294 do Código de Processo Civil, a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência, características estas que, inclusive, dão nome às espécies de tutelas provisórias.
A tutela de urgência, a qual se subdivide em antecipada/satisfativa e cautelar, está atrelada, como a própria expressão pressupõe, a uma situação urgente. Se relacionada ao risco de perecimento do direito buscado pela parte interessada, está-se diante da tutela provisória cautelar. Se a situação urgente estiver atrelada a uma necessidade imediata, sob pena de frustação do próprio objeto da lide, eis a tutela provisória satisfativa.
A tutela de evidência, por seu turno, é aquela baseada na qualidade probatória capaz de, por si só, demonstrar a alta probabilidade de que o requerente da medida faça jus a esta. Aliás, a tutela de evidência, como bem prescreve o art. 311 do Código de Processo Civil, será concedida independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
A tutela antecipada requerida em caráter antecedente é uma das maiores inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.
Antes do CPC/15, não existia no ordenamento jurídico brasileiro qualquer disposição quanto à possibilidade de requerimento de tutela de urgência de natureza satisfativa antes da apresentação do pedido principal propriamente dito.
Desta feita, visando dar celeridade ao procedimento, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, pode, então, a parte autora apresentar uma petição inicial simples, demonstrando, por óbvio, o preenchimento dos requisitos autorizadores, visando, unicamente, a concessão da tutela antecipada.
Uma vez concedida a tutela antecipatória em caráter antecedente, o requerente deverá, nos exatos termos do inciso I do §1º do art. 303 do novo Código de Processo Civil, “[…] aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; […]”. A ausência de aditamento da petição inicial acarretará a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, §1º, CPC); como consequência, a medida de urgência concedida perderá eficácia.
Simultaneamente com o prazo para o aditamento da petição inicial, proceder-se-á com a citação da parte ré, inclusive, com a sua intimação para comparecimento à audiência de conciliação e mediação. Acaso não haja autocomposição na audiência, iniciar-se-á o prazo para contestação, nos termos do art. 335, I, do Código de Processo Civil.
Neste interim, vale consignar que o artigo 304, caput, do Código de Processo Civil estabelece que, diante da ausência de interposição de recurso, a tutela antecipada antecedente tornar-se-á estável, podendo as partes, no prazo de 02 (dois) anos a contar da intimação, buscar sua reforma ou invalidação, conforme previsão do art. 304, §5º do mesmo diploma legal.
Assim, é possível concluir que para que haja a estabilização da tutela antecipada se faz necessário o preenchimento de quatro pressupostos cumulativos. São eles: “[…] (a) que o juiz haja deferido o pedido de tutela antecipada (rectius, tutela provisória de urgência satisfativa), requerida em caráter antecedente e autônomo; (b) o autor tenha pedido expressamente a aplicação de tal técnica; (c) que a decisão concessiva tenha sido proferida liminarmente, inaudita altera parte; e (d) que o réu, comunicado da decisão, não tenha interposto o recurso cabível […]”[2]. E é quanto a esse último pressuposto que está a maior divergência no que se refere à estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente.
Seguindo a literalidade de referido dispositivo legal, apenas se a parte ré não recorrer quando intimada da decisão concessiva do pedido antecipatório, fica estabilizada a antecipação da tutela. E o recurso, no caso, seria o agravo de instrumento (art. 1.015, I, CPC).
No entanto, há casos em que o réu, apesar de não interpor o recurso cabível, apresenta sua contestação, ou seja, demonstra sua irresignação quanto ao provimento liminar. Para estes casos, a tutela antecipada se estabilizaria?
A resposta é que não há consenso na doutrina.
De um lado, os professores Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Melo, afirmam que “[…] qualquer forma de oposição (v.g., contestação, reconvenção) deve ter o condão de evitar a extinção do processo. Basta a resistência, a manifestação do inconformismo do réu, a qual, pode se dar não só pelo recurso […]”[3].
No mesmo sentido, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira sustentam que “[…] embora o art. 304 do CPC fale apenas em não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (ex: suspensão da segurança ou pedido de reconsideração, desde que apresentados no prazo de que dispõe a parte para recorrer) […].”[4]
Em sentido contrário, Humberto Theodoro Júnior defende que “[…] na sistemática instituída pelo Código, portanto, para que a estabilização da tutela satisfativa ocorra, basta que o demandado não interponha recurso contra a decisão que a concedeu (art. 304, caput). […]”[5].
Na mesma linha, o ensinamento de Arruda Alvim: “[…] em princípio a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra de sua inércia e a impugnação da decisão que concedeu a medida possam evitar a extinção do processo. […]”[6]
E esta dissonância também está presente na jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema por 02 (duas) vezes e de formas distintas.
Na oportunidade do julgamento do Recurso Especial n.º 1.760.966 / SP, datado de 04/12/2018, a Terceira Turma do STJ se manifestou pela interpretação de forma ampliada do dispositivo legal em comento, assentando que “[…] caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela […]”[7].
No entanto, no fim de 2019, a Primeira Turma, em julgamento por maioria, assentou que “[…] não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja, a preclusão […]”[8].
Conforme se observa, diferentes são as posições adotadas pela doutrina quanto à interpretação técnica da estabilização. Por outro lado, em razão da escassa jurisprudência sobre o tema, apenas com a concreta utilização do instituto da estabilização talvez se possa chegar a uma posição conclusiva acerca da sua definitividade.
[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p.283.
[2] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. In: DIDIER JR., Fredie (Coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Orgs). Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. Coleção Novo CPC – doutrina selecionada, v. 4. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 236.
[3] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: RT, 2016, p.565
[4] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil, 14 ed. Salvador: Jus Podivm, 2019, vol. 2, p. 735-737
[5] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum, 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 2019, p. 686/687
[6] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes. 18ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 768
[7] REsp 1760966/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 07/12/2018
[8] REsp 1797365/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 22/10/2019
Autor: Daniel Feitosa Naruto • email: daniel.naruto@ernestoborges.com.br