Imagem de um drone sobrevoando uma plantação

Na primeira metade do século XX a agricultura passou por um processo de transformação produtiva inédito na história humana. A “revolução verde”, evento que marca a adoção de novas técnicas de produção, com o uso intensivo de tecnologia, marcou um período de aumento produtivo sem precedentes, o qual sustentou o desenvolvimento e o crescimento da população mundial na segunda metade do século passado.

Ainda que tardiamente, o Brasil experimentou o mesmo fenômeno entre as décadas de 1960 e 1980, sobretudo com o avanço das pesquisas encampadas principalmente pela EMBRAPA, com a finalidade de desenvolver ferramentas para exploração dos solos e recursos naturais do país, em especial o cerrado.

No século XXI a agricultura brasileira se tornou altamente competitiva, despontando sobretudo no mercado de carne bovina e grãos, entre os principais players internacionais de commodities. Todavia, como em todo segmento econômico, manter e aumentar a competividade em um cenário de alta demanda e concorrência é um desafio que exige a adoção de ferramentas de gestão não só mais eficientes, mas ainda mais alinhadas aos conceitos de inovação e geração de valor à cadeia produtiva.

Não basta produzir mais sacas de soja por hectare ou aprimorar a genética animal se, por outro lado, a safra ou rebanho não estiverem alinhados a padrões de qualidade em governança, sustentabilidade e compromisso com o desenvolvimento social no contexto em que a cadeia produtiva se insere.

Além disso, a expectativa pelo desenvolvimento de ideias que permitam a resolução eficiente e de menor custo para questões associadas à cadeia produtiva leva à pressão por soluções cada vez mais inovadoras e em maior velocidade do que há 10 ou 20 anos. A cadeia global de valor agregada a bens e serviços é cada vez mais dinâmica, integrada e eficiente e o modelo de negócios busca por inovações e redução de custos, também.

Como exemplo, cita-se uma planta frigorífica que no ano 2000 abatia 500 animais por dia em sua linha de produção voltada para atender ao mercado interno. Em 2022 este modelo de negócio não só se tornou obsoleto, mas insustentável. O mercado consumidor não aceita mais o mesmo produto que consumia no início do século, além disso, a linha de produção “de desmonte do boi” sofreu considerável modernização, o que elevou a média de animais abatidos e processados por dia.

Além disso, outras demandas de natureza ética, sanitária e ambiental modificaram o cenário do comércio de proteína animal criando demandas cuja satisfação e atenção ao produto exigem uma resposta mais rápida e orientada ao mercado consumidor, extrapolando, por vezes, inclusive a finalidade principal do estabelecimento.

Neste contexto, os conceitos de ESG e Agritechs cada dia mais compõem o vocabulário do produtor rural por se tratarem tanto modelo de gestão como de negócio aplicáveis ao agronegócio com a finalidade de melhorar standards de qualidade e produção, associando disruptividade e atenção à eficiência e qualidade da produção em consonância com exigências de mercado e de consumo.

ESG refere-se a sigla em inglês Enviromental, Social and Governance, tendo sido utilizada pela primeira vez no ano de 2005 no relatório da ONU “Who cares wins”, sendo utilizada para designar práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa ou negócio. Assim, ESG designa um conjunto de medidas adotadas por uma empresa para demonstrar comprometimento com determinados padrões de qualidade e gestão que garantam aos seus clientes ou consumidores o compromisso de sua produção.

Já as Agritechs são próximas ao conceito de startups. Empresas com baixo capital, altamente disruptivas que oferecem produtos e serviços inovadores para solução de demandas com mais eficiência no planejamento e escalabilidade na aplicação da inovação, oferecendo respostas ágeis para desafios práticos enfrentados pelo mercado produtor e consumidor, as quais muitas vezes não atendidas ou ofertadas com alto custo pelas empresas tradicionais.

Em comum, ambos os conceitos não traduzem apenas a linguagem corporativa do século XXI, cada vez mais presente no dia a dia das empresas do Agro, mas instrumentos de alta eficiência, baixo custo e grande resultado na gestão de bens, produtos e serviços dentro da cadeia do agronegócio.

A aplicação de conceitos e práticas de gestão e disruptividade, além de agregar valor à cadeia produtiva, permite a construção de um ambiente de negócios dinâmico e aberto à inovação, permitindo a produtores, gestores e consumidores a tomada de decisões com base em informações precisas, obtidas através de processos consolidados.

Exemplificando, pode-se utilizar novamente o exemplo do frigorífico. No caso de uma planta que tenha mantido as técnicas ou taxas de produtividade desde o ano 2000, certamente sua competividade terá sido quase inviabilizada.

Por outro lado, uma fábrica que tenha atualizado suas técnicas de gestão, adotando padrões de governança, responsabilidade social e sustentabilidade aliados à inovação, com investimento em pesquisa e soluções, tem não apenas um ganho em produtividade, mas paralelamente – com a revisão de processos e soluções – redução de custos que proporciona aumento da rentabilidade do negócio, tornando a indústria mais competitiva, com foco no resultado do core business.

Nesta linha de raciocínio, o processo de inovação e governança aplicável à indústria pode ser transposto para a lavoura, introduzindo modelos de ESG, Business management e inovação praticados no mercado, com vistas a tornar o processo produtivo mais eficiente, rentável, atendendo padrões de qualidade mais elevados, melhorando a percepção do negócio perante consumidores e stakeholders.

Um exemplo de como o processo de inovação funciona no campo pode ser visto pelas atividades desenvolvidas pela ESALQTec, a incubadora tecnológica da ESAL/USP que há mais de 15 anos atua no apoio à inovação, fornecendo suporte para estudantes e pesquisadores que atuam na transformação de conhecimento em projeto com soluções de produção ou tecnologia orientadas para o agronegócio.

O estímulo à pesquisa e inovação inseridos dentro do movimento Agtech brasileiro, em grande parte ainda localizado no estado de São Paulo – sobretudo no Vale do Piracicaba (AGTech Valley) – está fomentando a transformação do setor primário, já responsável por 1/3 do PIB Nacional, tornando-o um dos principais polos da moderna agricultura mundial, ao lado de outros centros de excelência em pesquisa agrícola como as Universidades de Wageningen, HO, University of California e University of Cornell, EUA e Universidade de Hainan, China[1].

Assim, após o salto quantitativo experimentado entre os anos 1930 e 1980 pela produção mundial de alimentos e commoddities, agora a mudança se faz através de critérios qualitativos orientados para o desenvolvimento de soluções e aplicação de standards de qualidade e eficiência produtiva, atendendo às demandas sociais, ecológicas e de mercado, permitindo ao produtor ou empresário rural orientar sua produção com maior índice de assertividade e mais eficiência.

Portanto, a nova revolução verde se dará não somente através da revolução de técnicas agrícolas e produtivas – as quais sem dúvida continuarão se desenvolvendo e agregando valor à cadeia – mas, sobretudo, esta será proporcional ao desenvolvimento e aplicação de novas técnicas de gestão e controle sobre a cadeia produtiva, aliadas à disruptividade e baixo custo de inovações que permitam ao produtor, quer da porteira para dentro, quer desta para fora, aplicar soluções ao seu negócio que o tornem mais eficiente e lucrativo e garantindo que se agregue valor ao processo produtivo ainda antes do plantio da semente até muito após a entrega do produto ao consumidor final.

 

[1] Boletim Esalq – Edição n. 356 – https://www.esalq.usp.br/boletim/incubadora-tecnol%C3%B3gica-da-esalq-chega-aos-15-anos-como-protagonista-do-movimento-agtech-brasileiro

 

Disponível em: https://exame.com/bussola/agritechs-e-esg-a-revolucao-verde-do-seculo-21/

Autor: Pedro Batistoti Boller • email: pedro.boller@ernestoborges.com.br

AGRITECHS E ESG – A REVOLUÇÃO VERDE DO SÉC. XXI.

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