Em menos de um mês o Superior Tribunal de Justiça julgou, de maneira diversa, dois recursos interpostos pelo Espólio de Tim Maia que discutiam a utilização sem autorização de trechos da obra musical do artista

 

No dia 10 de setembro, a Terceira Turma do STJ, confirmando o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concluiu ser indevida a utilização de trechos das obras musicais do artista Tim Maia em estampas de camisetas sem autorização e manteve a condenação da grife Reserva ao pagamento de indenização por danos materiais e morais[1].

Já no dia 1º de outubro, a mesma Terceira Turma, ao julgar outro caso, confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de ser possível a utilização de título de obra do cantor Tim Maia como nome de estabelecimento comercial sem autorização, sem que se viole direitos autorais.

No primeiro caso, o Espólio de Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, ajuizou ação em face da grife Reserva buscando a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais decorrentes da utilização indevida de trechos de sua obra musical, como “Guaraná & suco de caju & goiabada & sobremesa”, da canção “Do Leme ao Pontal”, e “Você & eu & eu & você”, da música “Você e Eu, Eu e Você”.

Em primeiro grau o pedido foi julgado procedente, sendo a grife condenada ao pagamento de danos morais no valor de R$ 30.000,00 e danos materiais correspondente ao lucro auferido com a venda. Em sede de recurso, o TJRJ majorou a indenização a título de danos morais para R$ 50.000,00.

Em seu Recurso Especial o espólio de Tim Maia alegou que a condenação pelo uso não autorizado de trechos da obra musical não deveria se restringir ao valor do lucro auferido, que seria apenas o ressarcimento do valor devido, devendo ser observado também o caráter punitivo da indenização.

O Ministro Relator, Marco Aurélio Belizze, ao analisar a situação afirmou em seu voto que, de fato, a “finalidade dos direitos autorais é a de servir de incentivo à produção artística, científica e cultural, fomentando o desenvolvimento cultural, mas, ao mesmo tempo, encorajar os autores à produção criativa e original reconhecendo ao autor direitos exclusivos sobre sua criação intelectual, conferindo-lhe o monopólio da exploração da obra e exigindo a prévia e expressa autorização para qualquer forma de sua utilização[2], com isso, deu provimento ao Recurso Especial para majorar a indenização por danos materiais.

Já no segundo caso, o Espólio de Tim Maia ajuizou ação em face de Emporio Originale Ltda. buscando indenização por violação de direitos de propriedade intelectual em razão da utilização do título da música “Do Leme ao Pontal” como denominação de um bar localizado na cidade de Cotia/SP.

Em primeiro grau a ação foi julgada improcedente, o que foi mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sob o fundamento de que o estabelecimento faria referência à cultura carioca em geral e não de forma específica à obra do compositor. No Recurso Especial o Espólio alegou que a música “Do Leme ao Pontal” seria composição exclusiva de Tim Maia registrada na Biblioteca Nacional e da União Brasileira de Compositores, além de marca registrada perante o INPI.

O Ministro Relator, Ricardo Villas Bôas Cueva entendeu que “a expressão “do Leme ao Pontal” se refere à região geográfica que contempla a faixa litorânea do município do Rio de Janeiro/RJ, que, a toda evidência, não foi descoberta nem inventada pelo autor originário da canção[3], razão pela qual concluiu pelo não provimento do pedido específico, dando parcial provimento ao recurso especial apenas no que dizia respeito à redução dos honorários sucumbenciais.

Apesar de aparentemente conflitantes, é importante analisar cada uma das decisões e os detalhes que justificam o provimento de um dos recursos para majorar a indenização por danos materiais e o não provimento do pedido de indenização no outro.

O direito autoral no Brasil é regulado pela Lei n. 9.610/98, sendo que o artigo 7º estabelece que se entende como obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro[4] e seus incisos trazem exemplos de obras intelectuais, sendo que as composições musicais, tendo ou não letra, estão expressas no inciso V.

Extremamente acertado o voto do Ministro Belizze no primeiro caso ao enfrentar os argumentos da grife confrontando o disposto no artigo 7º e no artigo 8º[5], em especial o inciso VII, da Lei n. 9.610/98, que afasta da proteção dos direitos autorais o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.

Isso porque, a proteção ao direito autoral se dá à obra como um produto da criatividade humana, sendo possível a utilização da ideia e a “imitação criativa”, onde se utiliza a obra anterior como referência, seja ela implícita ou explícita, contudo, no caso da grife de roupas, a utilização de trechos da obra musical com o simples acréscimo de “&”, para a Terceira Turma do STJ, ultrapassa a mera referência e demonstra a clara intenção da marca de apropriar-se indevidamente da obra com fins comerciais.

Por tal razão foi que a Terceira Turma entendeu por majorar a indenização por danos materiais para que atendesse tanto ao caráter ressarcitório, devendo a grife indenizar o montante total auferido com a venda das camisetas estampadas com os trechos da obra do artista, quanto ao caráter punitivo, devendo também realizar o pagamento do valor que seria cobrado para autorizar a utilização dos trechos nas vestimentas.

Contudo, situação diferente foi a enfrentada pelo Ministro Cueva, isso porque, como também disposto no artigo 8º, VI, da Lei n. 9.610/98, os nomes e títulos isolados não são objeto de proteção como direitos autorais de modo que, a denominação do bar de Cotia/SP como “Do Leme ao Pontal”, não viola direitos.

Além disso, importante destacar o trecho onde o Ministro explica o que se entende por gênero de propriedade intelectual, composto pelas espécies de proteção ao direito autoral, que diz respeito aos direitos do autor e direitos conexos, e de proteção à propriedade industrial, que diz respeito às patentes de invenção e de modelos de utilidade, marcas, desenho industrial e indicações geográficas.

Isso porque o Espólio recorrente afirmou que a música “Do Leme ao Pontal”, além de ser composição exclusiva de Tim Maia registrada na Biblioteca Nacional e da União Brasileira de Compositores, seria também marca registrada perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.

Os legisladores brasileiros separaram legalmente a proteção ao direito autoral, que está disposta na Lei n. 9.610/98, da proteção à propriedade industrial, que se encontra positivada na Lei n. 9.279/96, cada uma possuindo institutos e bens jurídicos próprios, de modo que as proteções e os meios de tutela não se confundem e nem se estendem uma à outra.

Assim, de qualquer ângulo que se olhe o caso, impossível que se estenda a proteção no caso do bar de Cotia/SP, seja em razão do direito autoral, porque se trata de simples título de obra musical, ao qual a legislação não confere proteção, além de se tratar de expressão de uso comum que se refere à região litorânea do Rio de Janeiro.

Tampouco possível a proteção a respeito da propriedade industrial pela marca registrada, seja porque o registro não está em nome do Espólio ou porque está registrada apenas na classe que diz respeito à edições musicais, serviços de entretenimento, inclusive agenciamento de festivais, promoção e produção de shows e espetáculos artísticos, gravação, produção e edição musical.

Portanto, ainda que aparentemente conflitantes, extremamente acertadas ambas as decisões do Superior Tribunal de Justiça que reforçam a necessidade de observância das normas que regem os direitos autorais, quando da utilização de obras artísticas com fins comerciais.

 

Fernanda Regina Negro de Oliveira Maluf, Coordenadora jurídica no Escritório Ernesto Borges, atuando no contencioso estratégico e consultivo. Professora Universitária. Especialista em Direito Empresarial pela FGV e em Direito Societário pelo Insper.

[1] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/13092024-Herdeiros-de-Tim-Maia-serao-indenizados-por-uso-indevido-de-musicas-do-artista-em-camisetas.aspx#:~:text=%E2%80%8BA%20Terceira%20Turma%20do,por%20uma%20empresa%20de%20vestu%C3%A1rio.

[2] REsp 2.121.497/RJ , relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 12/9/2024.

[3] REsp n. 2.152.321/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 4/10/2024.

[4] Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro […]

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

[5] Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: […]

VII – o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.

Autor: Fernanda Regina Negro de Oliveira • email: fernanda.oliveira@ernestoborges.com.br

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