Imagem de um homem fazendo monitoramento remoto

Nos últimos vinte anos, o padrão habitacional urbano, sobretudo em grandes centros, sofreu considerável modificação. A violência, a expansão da classe média no final da primeira década do século XXI e o boom da construção civil proporcionado pelo crescimento econômico do país, levaram o brasileiro a priorizar a compra de imóveis residenciais dentro de condomínios: horizontais, mais comuns em cidades de médio porte e, principalmente os verticais, mais adequados à vida nas grandes cidades brasileiras.

De acordo com o último censo do IBGE (2010) o país contava com 54.324.185 domicílios, dos quais 6.157.162 são apartamentos e 1.018.494 de vilas ou casas localizadas em condomínio, representando expressivo percentual da população que optou por viver de forma semi comunitária, partilhando áreas de lazer e recreação, bem como outros benefícios, além da segurança proporcionada pelas estruturas de vigilância presentes na maioria dos condomínios, razão primeira da opção por este tipo de moradia.

Assim, a vivência “coletiva” proporciona inúmeros benefícios para os condôminos, permitindo, em muitos casos, que se faça de quase tudo sem deixar suas casas para encarar o dia a dia dos centros urbanos do país.

Todavia, apesar dos aspectos de segurança, conforto e bem-estar serem os principais atrativos – em alguns casos decisivos na escolha por um condomínio – a convivência nestes centros de moradia se trata de uma relação complexa, sobretudo quando se aborda o tema sob a perspectiva jurídica.

Ponto particularmente relevante diz respeito à captura de imagens nos circuitos internos de monitoramento das áreas comuns do prédio ou vila. Isto porque, ao analisarmos sob o aspecto funcional, é inegável a necessidade de vigilância nas áreas em que, rotineiramente, circulam dezenas de pessoas entre moradores, funcionários do condomínio, prestadores de serviços entre outros, garantindo a segurança de todos e a preservação do patrimônio. Além disso, as gravações destes circuitos são necessárias para prevenção de acidentes e a apuração de eventuais sinistros.

A sensibilidade do tema, porém, advém de sua análise sob o enfoque jurídico, especialmente no que se refere à necessidade de verificar o resguardo da proteção à intimidade e à vida privada dos moradores, visitantes e demais que venham a circular pelas áreas comuns do condomínio, principalmente no que se refere ao uso e destinação dados às imagens capturadas pelos sistemas internos de monitoramento.

Isto porque a imagem, enquanto atributo individual, é tratada pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), como um dado pessoal – art. 5º, I -, devendo, portanto, obedecer ao regramento previsto na legislação relativamente à sua obtenção, armazenagem, compartilhamento e exclusão.

É importante destacar que ainda que a captura da imagem seja utilizada com a finalidade de garantir a segurança dos condôminos, não existe previsão legal que dispense seu tratamento das normativas contidas na LGPD, pois se trata de uso para segurança privada, o que não se amolda nas hipóteses excetuadas no art. 4º da Lei.

Neste contexto, é importante entender e delimitar o papel do síndico no planejamento, gestão e operacionalização do sistema interno de monitoramento e vigilância do condomínio, mitigando-se os riscos decorrentes de eventual uso indevido das imagens capturadas e armazenadas pelo condomínio.

À primeira vista pode parecer desnecessária que a administração condominial dispenda tanto tempo com o planejamento da gestão do monitoramento interno e submeta-se às regras impostas pela nova legislação. Contudo, considerando-se os possíveis desdobramentos e implicações por eventual mau uso dos dados obtidos através da captura de imagens das áreas comuns é importante que o síndico esteja ciente de seu papel e das consequências que o mau uso pode ocasionar.

Conforme previsto no art. 1.348, V, do Código Civil, compete ao síndico “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores”. Para tanto, ao analisar-se a estruturação de sistemas de vigilância e monitoramento seu papel deve ser orientado no sentido de estabelecer planejar a implantação de vigilância interno, bem como fixar diretrizes para captura de imagens e até mesmo buscar orientação de ordem técnica que permita o seu bom funcionamento.

Sua atuação, deve-se limitar-se à busca e propositura de soluções para os moradores, as quais, posteriormente, deverão ser levadas – após oitiva do conselho consultivo – ao crivo da assembleia-geral de condôminos, que poderá, ou não, aprovar as propostas apresentadas, modificando-as, no que for necessário, mediante a observância do quórum estabelecido na convenção condominial.

Isto porque, o síndico – ainda que responsável por zelar pelo patrimônio do condomínio – não dispõe de poder ilimitado no processo de tomada de decisão, devendo as proposituras serem chanceladas pelo órgão deliberativo, passando, então, estas a contarem com amparo jurídico para evitar a responsabilização do gestor por eventual mau uso das informações obtidas com a captura de imagens após a implementação do sistema de vigilância.

Neste sentido, é preciso muita atenção quanto à segurança de dados no que se refere ao monitoramento comum, – no qual todos os condôminos têm acesso às câmeras de vigilância -, prática adotada em alguns condomínios mais recentemente e que extrapolam, por vezes, a razoabilidade, sobretudo no que se refere à impossibilidade de garantir a segurança das imagens obtidas.

A finalidade do monitoramento compartilhado é garantir o acesso de todos os moradores ao circuito interno, facilitando a vigilância de áreas comuns para garantir o bem-estar daqueles que os frequentam, especialmente das crianças, que ganham maior liberdade para usar das estruturas de lazer sem a necessidade de estarem acompanhadas o tempo todo por um adulto, além de prevenir a ocorrência de sinistros, entre outros.

No entanto, em que pese a busca pelo bem-estar coletivo nortear o acesso de todos às câmeras de monitoramento interno das áreas comuns, estas imagens podem vir a ser indevidamente utilizadas, ocasionando, eventualmente, a responsabilização patrimonial do condomínio.

Como exemplo de dano à pessoa jurídica (condomínio), pode-se citar o caso da captura de uma imagem íntima ou mesmo de um acidente, as quais, descontextualizadas, tornem-se motivo de escárnio ou ridicularização através da divulgação em mídias sociais ou pela internet. Neste caso, ante a inviabilidade de se apurar o responsável individual pela gravação e divulgação da imagem, sem dúvida a responsabilidade pela reparação do dano recairá sobre o condomínio.

É importante destacar que a Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, conferindo a proteção à honra e à imagem das pessoas físicas ou jurídicas, status de garantia fundamental (art. 5º, X), sendo indenizável o dano material e, sobretudo, moral decorrentes de sua violação.

Ainda que se trate de hipótese na qual a imagem seja destinada para apuração de eventual prática delitiva ou mesmo para investigação acerca de dano causado ao patrimônio do condomínio ou de terceiros, não há como se excetuar que seu uso indevido ou transverso não seja passível de responsabilização pelo ofendido.

A fim de mitigar tais riscos, o planejamento do sistema de vigilância interna deve observar cuidados especiais quanto à sinalização – ambiente monitorado – informando sobre a vigilância por vídeo, bem como manter à disposição dos interessados informações acerca do uso dos dados investindo, sobretudo, na capacitação dos responsáveis pelo tratamento dos dados submetidos à gestão condominial e, até mesmo, dos próprios moradores, no caso de compartilhamento do sistema de monitoramento, posto que àqueles aos quais é outorgada a guarda das imagens devem ter pleno conhecimento da relevância das informações sob sua tutela e conhecimento das implicações pelo mau uso destes dados.

Portanto, deve o gestor condominial, seja ele o síndico ou pessoa jurídica especializada na prestação de serviços de administração, estar atento aos requisitos estabelecidos pelas disposições previstas no Código Civil, na Constituição Federal e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – ainda que haja constante modificações nos entendimentos fixados quanto à esta legislação – a fim de prevenir a responsabilização pessoal dos gestores condominiais ou mesmo da pessoa jurídica, minimizando os riscos decorrentes do uso indevido da imagem de terceiros.

Autor: Pedro Batistoti Boller • email: pedro.boller@ernestoborges.com.br

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