ENTREVISTA – LEXLATIN
1 – QUAL A EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO NACIONAL APROVADA EM 2018 (LEI 13.640/2018) PARA REGULAR APLICATIVOS DE TRANSPORTE COMO O UBER?
R – Assim como a maioria das Leis aprovadas no Brasil, esta também guarda suas lacunas e gera dúvidas sobre temas não abrangidos pelo legislador. A lei 13.640/2018 veio a alterar a redação, em alguns tópicos, da lei 12.587/2012.
Aparentemente o objetivo do legislador, em 2018, foi adequar a legislação ao cenário que se iniciava, qual seja, as plataformas ou aplicativos de transporte de passageiros como a Uber e a 99 por exemplo.
Notoriamente, a lei 13.640/2018 se preocupou, basicamente, em arrecadar, aos cofres públicos os possíveis tributos advindos do transporte de passageiros por aplicativo ou plataforma. Veja que a referida lei outorga, “Exclusivamente” aos municípios e Distrito Federal, a regulamentação e fiscalização dos transportes por aplicativos ou plataformas digitais, porém, obriga que os municípios e o Distrito Federal observem as diretrizes e cobrem os tributos necessários.
Tem-se que o único momento em que a legislação volta os olhos aos passageiros e aos motoristas, quanto a segurança e garantias destes se encontra na determinação de que haja um seguro para Acidentes Pessoais e que o motorista contribua para o INSS.
Portanto, há de se concluir que a preocupação do legislador não foi com o transporte e a segurança dos passageiros ou dos motoristas, mas sim, em primeiro lugar, a tributação advinda da atividade e, apenas em um momento posterior, um “leve” cuidado para com os usuários.
Ademais, atribuir aos municípios o poder de fiscalização gera um desequilíbrio e uma insegurança ainda maior, afinal, municípios de grande porte até podem possuir ferramentas e fundos para fiscalizar, porém, município menores, certamente não terão receita e tampouco meios para exercer a fiscalização o que gera mais insegurança à população usuária desse tipo de transporte.
Infelizmente, a referida lei fez, apenas, riscar traços frágeis e inseguros que se preocuparam, em tributar, mas não em organizar, regulamentar e assegurar direitos aos usuários e aos condutores.
2 – COMO A LEGISLAÇÃO NACIONAL SE COMPARA COM AS APROVADAS PELOS MUNICÍPIOS?
Quase que de forma imperceptível.
A Legislação nacional outorgou, aos municípios, o poder de fiscalizar o tema, ou seja, deu a cada município a possibilidade de legislar e traçar as diretrizes de cada unidade municipal impondo-lhes, apenas, poucas exigências, entre elas, a de se atentarem a tributação.
Em resumo, a Lei Nacional não traçou um caminho seguro para que a atividade fosse regulamentada de forma unificada ou ao menos equiparada entre os municípios pois, da forma que a lei nacional se encontra, cada um dos municípios pode traçar suas diretrizes causando assim, enorme insegurança jurídica, não apenas aos usuários como também, aos condutores e até mesmos às plataformas e aplicativos.
Talvez isso explique o fato de algumas cidades menores não possuírem o serviço de transporte por aplicativos.
Em uma pesquisa rápida na rede mundial[1] é possivel observar que cidades consideradas de porte médio, como por exemplo Araguaína no estado de Tocantins, com aproximadamente 184.000 habitantes e Francisco Morato no estado de São Paulo com aproximadamente 178.000 habitantes não possuem transporte pela plataforma Uber.
Possivelmente um dos fatores que influenciam na decisão da operadora em não atuar nessas regiões é a insegurança jurídica causada pela legislação municipal ou pela ausência dessa.
3 – O ESCRITÓRIO CONSIDERA QUE HÁ ESPAÇO PARA MELHORAR ESSAS REGULAMENTAÇÕES?
Sim. Aliás, não apenas esse tema como outros relacionados a plataformas e aplicativos de entregas por exemplo.
Como o surgimento dessa modalidade de atuação se deu de forma muito rápida e a sua aceitação foi maciça, o legislador não conseguiu acompanhar a evolução e a expansão desse tipo de serviços, e antes mesmo de regulamentar o transporte de passageiros, já surgiram transportes de animais, entrega de alimentos, entrega de bebidas, entrega de bens de pequeno e médio porte, locação de imóveis por temporada (airbnb por exemplo) vendas de passagens aéreas e terrestres entre outras várias modalidades que ainda surgirão.
O amadurecimento de ideias e de plataformas é tão veloz que o sistema legislativo do País, arcaico, enferrujado e sobretudo, conservador e retrógrado, não possui condições de atualizar-se e de pensar um paço a frente.
O Legislador Nacional esta sempre um ou dois passos atras da evolução social e isso gera, além da insegurança da população, faz com que as evoluções positivas sejam tão rápidas quanto as evoluções negativas, como as fraudes por exemplo.
Ou seja, enquanto o legislador procrastina o estudo e a criação de leis, o fraudador se esbalda na ausência de fiscalização e de legislação sobre o tema.
4 – É NECESSÁRIO REGULAMENTAR O ASPECTO TRABALHISTA?
Sim, e na mesma velocidade da regulamentação civil sobre o tema.
Nossos Tribunais Regionais do Trabalho já se deparam com ações trabalhistas onde os motoristas de aplicativos buscam vínculo empregatício com as plataformas de transporte. Essas ações não são mais tão novidades junto a Justiça do Trabalho.
E para a surpresa deste entrevistado, alguns Tribunais Regionais, como por exemplo o TRT da 1ª Região (estado do Rio de Janeiro) já entenderam pela existência de vínculo empregatício entre a plataforma e o motorista condutor.
O tema ainda divide e, certamente, dividirá muitas opiniões pois, a título de exemplo, a 4ª Turma do TST, órgão superior da Justiça do trabalho, no início do mês de março de 2023 entendeu que não há vínculo, ou seja, já é possível observar que estão surgindo interpretações em ambos os sentidos, o que gera uma espécie de loteria podendo elevar o número de ações junto a Justiça do Trabalho.
Isso se dá, também, pela falta de legislação específica sobre o tema, como ocorreu, por exemplo, no caso da Lei Complementar 105/2015 que regulou o trabalho do empregado doméstico, entre outras.
Enquanto não tivermos uma legislação laboral voltada as novas formas de prestação de serviço, as quais se intensificaram com a pandemia, estaremos diante de uma insegurança capaz de fazer, por exemplo, com que dois irmãos que atuam, separadamente, para a mesma plataforma de transporte de passageiro se deparem com o reconhecimento de vínculo de um, para com a plataforma, e o não reconhecimento de vinculo do outro, a depender do Tribunal Regional que julgar os recursos.
Esse é o conceito clássico de insegurança jurídica.
[1] https://canaltech.com.br/apps/cidades-do-brasil-que-ainda-nao-tem-uber/
Disponível em: https://br.lexlatin.com/reportagens/brasil-abriu-precedente-na-regulamentacao-de-aplicativos-de-transporte-o-que-falta
Autor: Douglas Siqueira Artigas • email: douglas.artigas@ernestoborges.com.br • Tel.: +55 67 3389 0123+55 67 98411 1262