A ideia de uma manifestação de vontade presencial, atestada pela assinatura à mão, alocada num documento impresso, com a participação de testemunhas, e até mesmo com a ratificação de validade através de uma certificação pública em cartório, reinou por muito tempo como forma quase que única de se garantir a legalidade e veracidade de um contrato.
Entretanto, esse passado não tão distante já não mais domina o dia a dia de quem contrata no Brasil, já que atualmente se vê uma evolução no campo da operacionalização contratual por aqui, isto de forma muito menos burocrática e bem menos trabalhosa, o que se deve aos avanços tecnológicos de digitalização das mais diversas operações e principalmente da capacidade de validação da vontade das partes em proceder seu consentimento de formas antes impossíveis ou improváveis.
Esse aceite necessário para se firmar o contrato evoluiu de uma assinatura física, presencial e feita à mão para uma série de mecanismos diferentes de validação da vontade manifestados em ambientes digitais, como por exemplo a assinatura via token/certificado digital, o aceite sistêmico em plataforma própria mediante acesso criptografado, a biometria digital, acontratação por reconhecimento de voz ou até mesmo contratação através da captura fotográfica do rosto do contratante, também conhecida como biometria facial.
Dessa modificação evolutiva nas assinaturas contratuais, o setor terciário naturalmente foi oque mais se beneficiou, já que a desnecessidade da presença física dos contratantes, que por vezes limitava a viabilidade de se contratar, garantiu uma democratização ao acesso de produtos e serviços antes distantes para uma enorme gama de consumidores.
Visando regulamentar e garantir a segurança aos envolvidos nas operações digitais, anos atrás foi instituída, através da Medida Provisória nº 2.200-2/2001, a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, designada mais comumente pela sigla ICP-Brasil, que basicamente consiste em uma cadeia hierárquica regulamentadora, gerenciadora e viabilizadora da emissão de certificados digitais utilizados para externalizar manifestações de vontade em documentos digitais.
Entretanto, a criação da ICP-Brasil, que de fato contribuiu na difusão dos mecanismos tecnológicos e potencializou a digitalização das relações contratuais no nosso país, por vezes, também acarretou uma interpretação equivocada da Medida Provisória por parte dos julgadores que recebiam processos envolvendo diferentes formas de contratação.
O judiciário seguiu por vezes decidindo que a validade de um determinado contrato digital apenas seria garantida pela existência de certificação ou validação da assinatura através da ICP-Brasil, ou seja, se determinada operação não fosse pactuada com certificado digital oriundo da ICP-Brasil toda a operação seria inválida. É certo que a interpretação limitadora mencionada é extremamente equivocada, já que o próprio Código Civil, em seu artigo 107, já havia cuidado de expressamente pontuar que a validade da declaração de vontade não dependeria de uma forma especial predefinida, senão quando a lei expressamente a exigisse, ou seja, a lei não excluiu as formas tomadas pelas partes envolvidas, também não proibiu a utilização daquelas diferentes já existentes e nem de outras que venham a surgir.
Ato contínuo, o Enunciado nº 297, do Conselho da Justiça Federal, editado na IV Jornada de Direito Civil no ano de 2006, reconheceu também a força probante do documento eletrônico, independentemente da tecnologia utilizada.
Além disso, a própria Medida Provisória instituiu a ICP-Brasil, apresentou no parágrafo 2º do seu art. 10 a disposição expressa no sentido de não haver impedimentos em formas de assinatura/contratação certificadas e instrumentadas por meios divergentes daqueles emitidos ou regulados pela ICP-Brasil, vejamos:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
[…]
§ 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
Ainda assim, a resistência de alguns magistrados é nítida quanto a validação de manifestações de vontade, principalmente as mais diferentes e modernas.
Em sentido contrário a essa resistência, o legislativo pátrio cuidou de reafirmar a validação de tais operações digitais. Isto pois, em julho de 2023, foi publicada a Lei n°14.620 que alterou, entre outras questões, o artigo 784 do Código de Processo Civil, oportunidade em que incluiu o § 4º junto ao referido artigo. Vejamos:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(…)
§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.
Do texto é possível perceber claramente pelo distanciamento daquele entendimento jurisprudencial conservador de que as assinaturas eletrônicas não seriam suficientes para constituição de direitos e deveres nos contratos, ou então que só eram válidas se assinadas com certificado do ICP-Brasil. Além de que, também trouxe como inovação a dispensa de testemunhas para o tipo contratual.
Consequentemente, decisões favoráveis que alteraram interpretações limitadoras anteriores já são visíveis por todo o país, mas a estrada até o pleno entendimento sobre as modificações e avanços tecnológicos existentes ainda é longa. É claro que, em que pesem os avanços da lei e da própria interpretação do judiciário sobre o tema, é atividade mandatória das empresas a busca por mais ferramentas de garantia da legitimidade das manifestações de vontades inseridas na venda de seus produtos e serviços, tanto é que muitas vezes as contratações digitais já somam elementos de validação para compor o ato final de assinatura, como por exemplo a captura da imagem do autor, acrescida do comparativo da imagem com bancos de dados federais e com os próprios documentos do contratante, além da captura da geolocalização do aparelho eletrônico utilizado na contratação.
Certo é que, com cada vez mais elementos de ratificação de validade da forma e da vontade de contratar, somados a garantia legal para tanto, a possibilidade de crescimento e desenvolvimento de mecanismos alternativos de contratação, com muito mais segurança e facilidade, ficam resguardados, o que beneficia a todos os envolvidos, tanto os que comercializam algum produto ou serviço, quanto os que contratam.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-28/avancos-e-desafios-das-assinaturas-eletronicas-no-brasil/
Autor: Lucas Rodrigues Lucas • email: lucas.lucas@ernestoborges.com.br